Mitomania

Antevejo dores

Tenho os sonhos de Cassandra

A me embalar

E não alivia o fato de que

Na tarde finda

Junto à mesa posta

Haja musica no ar

Prevejo abismos

Tenho os olhos de Tirésias

A me guiar

Caminho na estrada curva

O labirinto no fim

O risco  da queda

E a incômoda junção dos muitos

Que dançam em mim

Não tenho, como Édipo, a duvidosa

Absolvição da ignorância

O pequeno diabo em meu ombro

Repete a sempre eterna pergunta: tudo outra vez?

E de longe me chegam as flores do sofrimento

E sua triste fragrância.

Janus

A mim não interessam nuvens que choram ou luas sorridentes

A natureza não me soa humana e seus trovões não são as vozes dos deuses

Também não me seduz a coisificação do humano

O olhar de pedra , o sorriso de gelo

Minha dor atravessa paisagens sem perceber arco-iris

E  lágrimas no chão gretado não geram flores de saudades

Contemplo, estático, o colorido do dia que morre para depois renascer

Como posso aceitar o fim e o renascimento nestas simples horas que escoam inúteis

Em ciclos vazios de dias e noites

Se eu, aquele que conta segundos e dá razão à existência das horas,

Carrego em mim, por direito, sorte ou azar, apenas uma vida e uma morte?

Meus Deuses

Meus deuses acordaram tarde
E foram brincar no jardim 
Enquanto se preparava o café

Quando veio a chuva se esconderam
Sob a grande árvore
E agradeceram-se
(Uns aos outros)
A folhagem providencial

Logo se enfastiaram das gotas de chuva
E do sol que se seguiu
E entraram para o tardio café
Não perceberam o homem que o preparou
Nem a mulher que segurava a mangueira que fazia chover

Meus deuses agora dormem despreocupados
Enquanto o gato, deitado no canto 
Acompanha a mosca voando pela sala.

 

19 de julho de 2012