Banho Quente

Não que fossem grandes amigas, mas sendo as duas únicas pessoas solteiras no pequeno prédio de apartamentos era natural que acabassem criando uma relação que poderia, sim, ser chamada de amizade.
Começou com os mecânicos e cotidianos “bom dia”, “boa noite”, evoluindo para pequenos comentários sobre o tempo, roupas e acessórios nas vezes em que se encontravam ao sair ou chegar. O próximo passo foi um convite para uma conversa mais prolongada na casa de uma ou de outra. Perguntadas, diriam que não se lembravam de quem partiu a idéia.
Inicialmente dividiam os encontros entre os dois apartamentos. Com o tempo, fixaram tudo na casa de Angélica, mais dada aos cuidados de cozinhar, arrumar mesa e olhar a louça por lavar sem proferir   maldições mentais.
Luna era exuberante, faladeira, ria alto e agitava os braços como um pequeno helicóptero ao contar suas muitas histórias. Angélica fazia jus ao nome. Branca e frágil, exalava uma aura de bondade e timidez que se mostrava como parte de seu caráter às poucas pessoas que dela se aproximam. Quase não falava. Ouvia, encantada e levemente envergonhada, às muitas histórias de Luna e seus vários homens.
“Ele não me respeita, Angélica. Acredita que eu estava ajeitando a bolsa para sair quando ele chegou por detrás de mim, pegou firme nos cabelos da minha nuca e me dobrou sobre a mesa?”.
Angélica prendia a respiração e abria os olhos até parecerem um daqueles desenhos japoneses.
“Segurou meu rosto contra a mesa e grudou o quadril na minha bunda. Ele estava duro como pedra, logo de manhã, acredita?”
“Te machucou?”
“Não. Ele sabe ser bruto com delicadeza. Sei que parece besteira. Eu tentei me levantar e ele me segurou firme, pressionando ainda mais meu corpo sobre a mesa. Minha mão ainda segurava a bolsa. Então ele levantou minha saia e puxou fora a calcinha, com força. Ouvi o barulho dela se rasgando e fiquei puta. Me debati ainda mais e ele pareceu gostar disso. Segurou com mais força e usou a outra mão pra abrir a calça. Nem tirou tudo, só arriou no meio das pernas cabeludas. Já te falei como ele é cabeludo?”
“Não, nunca falou. E então, o que aconteceu?”. Angélica parecia um passarinho tentando voar, cheia de medos do que viria a seguir mas incapaz de resistir à pergunta. Luna nem percebia, ou fingia não perceber, como essas histórias mexiam com a amiga.
“Ele fez tudo com pressa e força, mas aí parou de repente. Uma das mãos segurando minha cabeça e a outra lá nas suas partes. Eu respirava rapidamente, que nem um cachorro. Sabe um cachorro respirando,  ofegante com a língua de fora?”, e riu seu riso aberto. “Angélica, minha flor, eu estava encharcada. Você já ficou muito encharcada? Mas muito mesmo, de sentir escorrer pelas tuas pernas?”. Perguntou e não esperou resposta. Ela não viria. Angélica estava rubra diante da possibilidade de falar de si mesma. Mas não tinha o que dizer. Sua virgindade pulsava em um latejar mudo dentro da  calcinha. Ela apenas arfava. Luna continuou, sem tempo nem para respirar: “então ele encostou sua coisa em mim muito devagar. Achei que ele ia entrar como sempre fazia, com força, mas só encostou. Eu gemi e apertei a alça da bolsa. Quase pedi pra ele meter logo, tamanha era minha agonia. Era prazer demais. Angélica, meu Deus, por isso que a gente peca. Não dá pra segurar.”
Angélica apertava uma coxa na outra fingindo se ajeitar no pequeno sofá.
“Então ele foi entrando devagar, tão devagar como se estivesse me conhecendo pela primeira vez. Entrou até o final e parou. Eu gemendo, a cara contra a mesa, as unhas cravadas na bolsa e ele parado ali no meio da sala me segurando os cabelos. E eu sentia ele pulsando dentro de mim e eu toda pulsando em torno dele. E ele respirava junto comigo, respiração rápida, seca, pela boca.”
E imitava a respiração. Um arfar seco e rápido. E umedecia a boca, a língua molhada lambendo os lábios carnudos.
“Conta mais…”, Angélica sussurou engolindo em seco, respirando junto sem nem perceber.
“Eu gemia baixinho.”
“Estou ouvindo, conta…”, e engolia a pouca saliva na boca. E arfava.
“Eu gozei assim, sem ele mexer um músculo.”
“Ai, Luna…”
“Eu sei que parece mentira, mas gozei sim”.
“Acredito, acredito…”
“Então ele começou a se mover cada vez mais rápido, cada pancada no meu quadril que dava pra ouvir lá na rua. A mesa de arrastando embaixo de mim e ele me empurrando atrás da mesa. Na hora de gozar ele parou de novo por uns segundos e se inclinou sobre mim, ainda segundo minha cabeça. E disse baixinho no meu ouvido: “Me aperta, me aperta, me aperta”, cada vez mais rápido, cada vez mais urgente, aquela voz rouca sussurrando no meu ouvido.
“Aí, gente…”
“E eu apertei e ele sem se mexer. Eu apertando e ele parado todo dentro de mim. Ele gozou assim, comigo apertando cada vez mais forte. Vestiu a roupa e saiu sem dizer nada. Eu tive que me limpar, me trocar, as pernas bambas. Cheguei atrasada no trabalho, levei bronca. Já vou.”
“Vem jantar comigo?
“Hoje é sábado, esqueceu, florzinha? Dia de samba. Tô louca pra pegar o menino do pandeiro. Novinho, deve gozar no teto de tanto tesão. Amanhã te conto.”
E saiu. Por um longo tempo, Angélica olhou seu apartamento pequeno, suas coisas simples, como decoração de hotel barato. Pensava nas histórias de Luna, um dia na mesa da sala, outro dia no beco atrás de um bar, em pé e com o salto do sapato quebrado, outra vez no banco de trás de um carro pequeno, pernas batendo em todo lugar. Um gozo aqui, outro ali. Angélica fechava os olhos e pensava em sua vida, em seu corpo que nunca sentiu as mãos de um homem sobre sua pele branca. Sua vida parecia um filme que a gente tentasse assistir na TV do apartamento em frente _ imagens confusas, sem som ou história.
Minha vida é difícil, havia dito Luna em certa ocasião.
Claro que é, pensou Angélica, enquanto se despia para mais um longo banho quente.